sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A QUARTA PRIMAVERA DE AKI - PARTE 01

Aquelas cores deslumbrantes fascinavam o pequeno Aki, que corria e saltitava pelo jardim, perseguindo uma grande mariposa que farfalhava suas asas elegantes e ziguezagueava no ar, subindo e descendo. Isso divertia muito aquele pequeno rapaz que começava a descobrir o mundo ao seu redor.

O jardim era imenso, parecia uma floresta. Aki nem se atrevia a chegar perto das muralhas que separavam a cidadela dos bosques lá fora, exatamente por onde passou a colorida mariposa, distanciando-se cada vez mais, para a frustração do pequeno garoto... Que durou apenas o tempo de virar a cabeça e ver aquele aglomerado de árvores extremamente floridas.

Ele achou formidável! O próprio ar parecia tornar-se rosa com todas as flores explodindo da copa daquelas árvores. Ele correu entre elas às gargalhadas, como se flutuasse de tanto entusiasmo, até que enroscou o pé numa pedra e caiu como um fruto maduro, com o rosto no chão cheio de folhas e flores.

— Aki! — Gritou a jovem ama seca, correndo em direção ao menino.

— Deixe-o! — Repreendeu-a Harumi.

— Senhora, ele caiu...

— Não sou cega, Shin. Aki caiu sobre um monte de folhas. Deixe-o levantar com suas próprias forças, senão ele nunca saberá lidar com seus problemas sozinho.

— Ele tem apenas três anos, senhora...

— Sim, ele já vive não é verdade?

— Sim, senhora.

— Então, já está na hora de aprender a lidar com a vida.

— Eu só acho que a senhora é dura com ele às vezes e...

— Shin, quantos anos tem?

— Dezesseis, senhora.

— Apenas uma criança. Quer me ensinar a educar a minha criança?

— Não, senhora, apenas...

— Basta! — Durante a discussão, Aki já havia se levantado e corria de braços abertos por entre as floridas árvores rosadas do imenso jardim da cidadela. — Aki, vamos! Shin lhe dará de comer, já está brincando há muito tempo.

O garoto dirigiu-se até elas sem questionar e passou a correr um pouco para acompanhar os largos e apressados passos da mãe, enquanto a criada os seguia, a uma certa distancia devido aos seus passos curtos e cuidadosos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

FUNERAL - PARTE 02

A dor era real. Era muito forte, parecia que não ia parar. Gritou mais alto. A dor diminuiu, como num espasmo, e ela pôde, então, se levantar e tentar correr o mais próximo possível da casa. A dor voltou. Ela gritou e curvou-se para frente chamando Yasu.

Harumi suava frio, não podia respirar direito, mas sentiu certo alívio quando viu a velha Yasu correndo em sua direção.

— Está na hora, senhora?

Mais uma vez ela quis xingar, mas a dor dominava-a novamente. Tão somente balançou a cabeça em sinal de afirmação.

— Ajudem-me a levá-la para o quarto! — Gritou Yasu para as outras duas criadas. — Tragam água quente e toalhas! — Gritou para os familiares que estavam na vigília fúnebre. Pode parecer ousadia uma criada gritar com a família dos senhores, dando-lhes ordens, mas todos sabem bem que, quando a hora chega, quem realmente manda é a parteira, então fizeram tudo como Yasu lhes dissera.




— Harumi, mais força! Vamos! Traga para o mundo esta criança.

— Não dá... Não estou agüentando mais...

— Respire rápido várias vezes, quando vier a dor novamente...

— Veio. Arrrrgh!

— Então força! Empurre essa criança para fora mulher! Isso... Isso... Está vindo. Já posso ver a cabeça!

— Arrrrrgh! — Mais um grito alto, seguido de um alívio.

— Parabéns Harumi, é um belo menino! Foi um parto fácil, não é meninas? — Disse Yasu sorrindo para as outras criadas.

Harumi quis esbravejar. Dizer que “parto fácil” era porque não tinha sido com ela, que ela não tinha sentido toda aquela dor dos ossos abrindo-se, da pele esticando, rasgando, para passar aquela cabeça enorme. Ele sentiu como se fosse partir-se ao meio. Mas, quando abriu a boca para começar a expressar seu descontentamento pelo “fácil” de sua criada, foi silenciada pelos olhos doces daquele belo bebê. Seu filho, colocado em seus braços... Era uma sensação tão... Tão... Era inexplicável na verdade. Harumi sentia que toda a dor que passou a vida inteira tinha sido apagada de suas lembranças. Que todas as cicatrizes tinham se esvanecido quando aqueles lábio puros e recém nascidos, famintos de vida, tocaram seu seio direito sugando avidamente seu primeiro alimento fora do ventre.

Aquela flor de sakura murcha, rasgada e seca pelo tempo deu fruto e o fruto nutria-se para crescer vistoso e, um dia, desprender-se da árvore para cair ao solo, ganhar o mundo.

— Vai se chamar Aki. Sim, Aki será seu nome de infância.

— Senhora, não seria sensato permitir que o senhor Ishi escolhesse o nome?

— Não! Ele se chamará Aki! Pelo menos enquanto estiver em meus braços, pois logo ele crescerá e eles o tirarão de mim, para aquele treinamento doentio que o transformará numa máquina controlada pelos aristocratas assim como o pai dele era e também o senhor Ishi.

— Harumi, minha pequena flor, você também é uma aristocrata.

— Ora Yasu! Eu acabei de dar à luz, não me importune!

— Mas é verdade. Assim que se casou com o filho do senhor Ishi, tornou-se uma aristocrata, esposa do mais respeitado samurai do condado e, quem sabe até, de além das muralhas.

— Bobagem!

— Não importa o que a senhora pensa, é assim. E esta criança... Pobre menino, mime-o enquanto puder. Ame-o com a maior intensidade que puder, pois ele pertence à família do senhor Ishi, à família Tsuyoki.

— Também faço parte da família!

— Agora você é uma aristocrata?

— Yasu...

— Você escolheu viver aqui, na cidadela, afastada dos Tsuyoki. Agora tome este chá e durma. Vou colocar o bebê...

— Aki!

— Como quiser senhora... Vou colocar Aki no quarto dele e chamar o avô para vê-lo.

Harumi sentia muitas dores novamente, poucas eram físicas. A maioria era de lembranças... As memórias haviam voltado com a realidade da cultura que a envolvia. A sensação de paz que Aki passava tornara-se pequena perto do quanto ela já sofria por saber que o teria por tão pouco tempo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

FUNERAL - PARTE 01

Aquele altar doméstico repleto de jarras de água, potes de arroz e alga... Aquelas velas acesas, com as chamas trêmulas por conta da movimentação que rondava a arca mortuária; aquele lenço branco sobre seu rosto; a visão dele deitado ali, imóvel, gélido — talvez gélido, pois ela não chegou a tocá-lo — aquele cheiro forte de incenso... Aquelas pessoas de vestimenta branca, destoando-se rispidamente das flores, tapetes e almofadas vermelhas que decoravam comumente a casa. Tudo aquilo a estava deixando embriagada.
Harumi sentia que ia perder os sentidos a qualquer momento. Tentava concentrar-se na voz do bonzo entoando sutras sagradas, mas as pessoas ao redor, recitando tudo em coro faziam-na sentir cada vez mais encarcerada naquela situação nauseante.
Um funeral, para a tradição, é o momento de demonstrar gratidão ao falecido e refletir nas coisas boas que vieram dele, além da inevitabilidade da morte. Harumi só conseguia pensar nesta última parte — a inevitabilidade da morte.
— Preciso recostar-me em algum lugar. ­— Cochichou para Yasu.
— Mas, senhora, não é apropriado que deixe a vigília, justamente sendo a esposa...
— Viúva! ­— Cortou, com rispidez, a recomendação da criada. — Ajude-me a sair daqui. Falta-me ar, minhas costas doem e esse cheiro de incenso... Esse cheiro de morte está revirando minhas entranhas. Prometo que estarei presente durante a cerimônia de cremação. As pessoas entenderão se eu me ausentar um pouco, devido ao meu estado.
— Mas, senhora...
— Vamos, Yasu! Não discutirei mais. Obedeça e leve-me até o jardim, para que eu possa respirar.
Harumi olhou para o bonzo, o Daimyô e para os familiares de seu falecido marido tentando transmitir-lhes dor pelo olhar, para justificar sua repentina saída durante a vigília. Pareceu-lhe que eles haviam entendido, talvez até consentido, mas para ela era indiferente. Só queria sair dali.
Caminharam um pouco pelo jardim até chegarem a um banco de madeira. Harumi sempre apoiada em sua criada. Parecia não poder mais sustentar o peso do corpo sozinha.
— Deixe-me!
— Senhora...
— Yasu, você está questionando extremamente minhas ordens hoje. Apenas faça!
— E se perguntarem?
— Diga que estou enjoada e com dores e que minha tristeza é tão imensa que tenciona todos os músculos de meu corpo, mas que estarei pronta para a cerimônia de cremação. Venha me pegar aqui quando chegar a hora. Agora vá!
Ouvindo os passos de Yasu distanciando-se pela trilha de pedras, Harumi podia ver nitidamente em sua memória momentos em que se sentava em um banco parecido com aquele, perto do lago na casa de sua família e ficava observando as carpas nadando. Eram coloridas e grandes e pareciam felizes, principalmente quando caía um pequeno fruto de uma árvore qualquer na água e elas disputavam qual o pegaria primeiro. Depois de ficar horas observando o lago, ela corria por entre as árvores, caia sobre as folhas e ficava olhando o céu, mais especificamente as nuvens. Via dragões, coelhos, folhas de chá, tigelas de arroz... Tudo que sua mente juvenil e sonhadora pudesse criar. Ficava ali olhando... Até cair no sono e sonhar. Sempre sonhava com aventuras.
Certa vez sonhou que estava sendo perseguida por um kappa. Uma criatura horripilante parte homem, parte rã que, segundo a mitologia japonesa, alimenta-se de fluidos humanos. Quanto mais ela corria, mais perto o kappa estava, até que ele a agarrou com as ventosas de seus dedos e começou a sugá-la. Ela tinha certeza de morreria naquela hora, mas voando mais rápido que o vento, surgiu um samurai montado em um dragão dourado que despedaçou o kappa com sua katana de ouro, colocou Harumi nas costas do dragão e partiu, levando-a para as estrelas. Um terrível pesadelo que acabou em um belo sonho.
Pensando nessas coisas Harumi acabou por, realmente, adormecer ali no banco de madeira do jardim. Estava, agora, defronte ao lago das carpas, mas todas estavam boiando, de barriga para cima, mortas. A água era suja e malcheirosa. Sentiu-se arrastada dali com força. Não estava mais no lago. Estava num lugar escuro, estirada em um chão de madeira, um peso sobre seu corpo... Mal podia respirar, sentiu uma imensa dor e fez-se um longo e quase eternal silêncio. Viu um vulto, uma armadura, uma espada que cortava ao meio a mais bela flor de sakura que a província já vira. Harumi tentava encontrar sua kaiken para realizar o seppuku, mas foi em vão. O tempo rodopiou vertiginosamente e Harumi casava-se com um samurai em uma estranha e confusa cerimônia... Ela só podia sentir a dor. Não conseguia entender as palavras... Só a dor.

— Ahhhhhhhh! — Gritou com agonia, acordando do sonho, caindo ao chão, abraçando os joelhos e gritando o quanto mais pudesse.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

PRÓLOGO

— As sakura pareciam bem mais graciosas naquela época. — pensou alto, enquanto observava o jardim e estendia um pouco o olhar até o bosque além dos muros que a cercavam. O cantar dos pardais que, antes, alegrava-a extraordinariamente, mais até do que as histórias sobre os destemidos e honrados samurais, agora a deixavam angustiada, aflita, sufocada.
Harumi lembrava-se do tempo em que atraía os olhares de todos na cidadela com a sua incrível beleza, assim com essas exibidas flores rosadas faziam nesta época do ano. Talvez fosse por isso que a incomodava tanto olhar para elas agora. Antes, elas costumavam ser coadjuvantes por onde Harumi passava. Senhores de terras dirigiam-se, com frequência, a sua família com propostas de casamento. Ela se divertia muito em pedir para seu pai recusá-las. Ela fazia muitas das vontades dela, o que era raro entre os patriarcas da época. — Se fosse possível retornar alguns anos... Apagar alguns passos e refazer alguns castelos... — Suspirou alto. Deixou-se levar por devaneios nostálgicos durante algum tempo, enquanto via o vento carregando as dolorosas pétalas rosadas das flores das sakura.
— Harumi, vamos! — Foi trazida de volta à realidade pela voz aguda de sua dama de companhia. — Já está na hora!
— Yasu, venha, ajude-me a levantar... — Era difícil para ela se locomover naquele estado. Apoiou-se nas palmas das mãos firmes e ásperas da criada e se levantou do pequeno banco estofado que ficava abaixo da grande janela do aposento. Deixou escapar um gemido, misto de esforço, desconforto e dor.
— Há algo errado senhora? — Perguntou a criada.
Todas as respostas ríspidas vieram-lhe à mente. Como se aquela velha não soubesse! Eram quase 7200 horas de coisas erradas e ela ainda tinha de ser gentil, cortês e, pior ainda: hospitaleira. Receberia o Daimyô para o chá. Provavelmente ele traria as condolências pela honorável morte horrível e sangrenta de seu marido defendendo a vida de algum membro importante da aristocracia, ou a honra preciosa de uma inocente pétala de sakura. Então, ela simplesmente respondeu:
— Está tudo bem, Yasu. Só um pouco cansada com tudo isso. Agradeço-lhe pela ajuda.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Papilote - Final





Quando amanheceu o dia, dona Tianinha levantou de supetão,dando os passos pesados de sempre e se deparou com um bando de criança dormindo espremida no cantinho da sala, e Maria Pailote toda esparramada, sozinha, na cama do quartinho da bagunça. A matrona tratou de espatifar com a molecada toda e perguntar o que tinha acontecido pra dormir todo mundo ali que nem rato pelado com frio no mato.

Maria Papilote levantou-se enquanto as crianças terminavam de contar o ocorrido na madrugada anterior.

- Dormiu bem prima? – Perguntou doa Tianinha.

- Muito bem! A cama tava muito boa...

- Mas ocê num tinha ido durmi no canto da sala perto da estante?

- Tinha... Mas eu vi a cama vazia e fui deitar lá.

- Bão! Agora vamo toma jeito que o sor tá quente lá fora e a casa tá uma baderna!

E foi a correria de sempre o dia todo.

À noite, quando seu Quinzinho chegou do serviço, todo mundo queria ouvir outra história. Sentaram-se todos na sala, em volta dele e ouviram sobre uma mulher de dois metros de altura que tirava trapos da boca, queimava no fogão de lenha e enfiava no nariz.

- Essa muié – Contou seu Quinzinho – Aparece sempre pras pessoa que fala nome feio. Ela põe medo inté a pessoa mijá nas carça, depois enrola ela nos trapo e põe no fogo e enfia as cinza no nariz.

- Valha me Deus!

- Credo em Cruiz! – Cada um soltou uma exclamação diferente.

- Mas num precisa ficá com medo não. Se oceis cumê bastante alho e cebola ela num ataca oceis não... Ela num suporta o chero desses tempero.

- Tá bão! Agora chega Quinzinho, que é hora desse povo i durmi!

Foram todos para seus cantos. A Papilote foi pra beirada da estante, só de olho nas meninas deitadas na cama de solteiro do quartinho da bagunça. Esperou um tempo, até ter certeza que todos estavam dormindo. Levantou-se sorrateiramente e foi resfriar as mãos no congelador.

Andou de vagar, ajoelhou na beira da cama das meninas, puxou a coberta de vagarinho e... Foi uma gritaria danada. Todo mundo acordou pra ver o que tinha acontecido.

A Papilote estava branca e atônita caída no chão do quartinho, as crianças em volta com cara de sono e dona Tianinha com ar de Triunfo.Ela tinha se escondido embaixo da cama. Esperou Maria Papilote chegar perto e puxou suas pernas. A moça ficou tão assustada e, depois do susto, tão envergonhada que decidiu ir embora, de volta pra capital no outro dia.




segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Papilote - Parte II





No dia seguinte, assim que o sol nasceu, todos acordaram com a barulheira de sempre... Dona Tianinha batendo as panelas e gritando aos plenos pulmões:

- Vamo levantá! O sor tá quente lá fora! Fia recói os cochão e ucê moleque, vai comprá pão!

Tomaram café brigando pelo pão maior, pelo mais branco, pelo mais moreninho, pelo primeiro, pelo último... Como era de costume. Limparam a bagunça e foram pra rua brincar. Dona Tianinha foi à rodoviária buscar a prima. Algumas horas depois ela voltou com a moça e foi logo chamando a criançada pra apresentar-lhes a parenta:

- Meninada, óia aqui a prima doceis! Que belezura de muié! – Mas não era bem assim que as crianças pensavam. Assim que a viram ficaram sabendo porque a chamavam de Maria Papilote. Seus cabelos estavam cheios de papelotes, pra deixar enrolado, como uns bobes improvisados.

Naquela manhã conversaram bastante, as duas primas, e à tarde foram bater perna na cidade. Quando chegou a noite, novamente seu Quinzinho foi contar história. Dessa vez falou sobre uma mulher, na janela da sua casa, esperando alguém passar pra lhe acender o cigarro, quando viu ao longe uma procissão.

- Era meia noite. – Prosseguiu seu Quinzinho. – E a muié tava que tava virano currupio de vontade fumá um cigarro, mas num tinha nem isquero nem fósforo.

- Mas e a procissão? – Perguntou uma das crianças.

- É, e que coisa estranha, procissão de madrugada. – Observou a Papilote.

- Carma! Num era uma procissão comum. Era a procissão das arma penada. Que andava pela rua de madrugada com vela na mão.

- Prá quê? – Perguntou, mais uma vez, a Papilote, que na sua idade já não acreditava mais nessas histórias de assombração.

- Escuita a história!

- Tá bem.

- Quando a procissão passou na frente da janela, a muié grito, pedino fogo, estendeu o braço e uma arma penada deu a vela prela e ela acendeu o cigarro.

- E aí?

- Aí, a hora que ela foi devorvê a vela pra arma penada, a procissão tinha sumido. Então ela apagô a vela e foi jogá fora, mas quando ela viu, a vela tinha virado um pedaço de osso e grudado no braço dela.

As crianças todas com os olhos arregalados, cada vez mais perto umas das outras, esperando, atenciosas o fim da história.

- A muié então, tentou de tudo quanto foi jeito tirá o pedaço de osso do braço, mas num conseguiu... Ficô um ano interinho com aquele pedaço de osso grudado nela. Uma noite dessas ela resorveu ficá na janela de madrugada traveiz. Aí ela viu, lá longe, a procissão da arma penada. Ela espero a procissão passá, esticô o braço e devorveu o osso, que, na hora que arma penada seguro, vortô a sê vela traveiz!

- Pai, credo, que dia que passa essa procissão aí?

- Chega criançada, agora é hora de durmi! – Ralhou dona Tianinha – Maria, aqui nóis improvisa pra durmi viu, cada um num canto, porque é muita gente e num cabe tudo nas cama. Ocê pode durmi ali no canto, perto da estante da sala. Cata esse coxuado aqui, estende lá e pega as coberta ali no guarda ropa.

Maria Papilote não gostou nem um pouquinho da idéia de dormir no chão duro, mas deitou ali e ficou tentando se ajeitar. Passou um tempo lá, olhando pra cima, indignada, pensando numa cama macia pra dormir e olhando duas das primas numa cama de solteiro lá no quartinho da bagunça.

Ela teve uma idéia, levantou-se e foi, pé ante pé, serpenteando até a geladeira. Abriu-a, colocou as duas mãos no congelador, deixou-as lá por um tempo e foi sorrateiramente para perto da cama das meninas. Retirou as cobertas dos pés delas e, sem dó, tascou-lhes um aperto de mão gelado nos tornozelos.

Foi um pulo só e uma gritaria danada. As meninas morrendo de medo saíram correndo do quarto e foram dormir na sala junto com as outras crianças. Maria Papilote, que não era boba, dormiu confortavelmente na cama do quartinho da bagunça.

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