Poesia

Busca

Olhos fixos no espaço,
Percebendo o nada
A se formar à frente.
O nada me olha de volta.
Analisa com frieza.
Me toca,
Me cheira;
Prazerosamente me consome.

O interior vazio da caixa,
Que me tornei por convenção,
Espera algo macio e quente,
Que seja resistente
E traga segurança;
Espera algo colorido e alegre,
Que faça piada,
Mas que não reprima lágrimas
De dor, sofrimento;
De felicidade, amor.

A busca incessante,
Na incomensurável expectativa,
Deriva, ora da esperança,
Ora do desespero.
É uma busca pelo nada,
Mas o nada já faz parte de mim.
— O que buscas então? — Me perguntam.
Busco uma peça única
Do quebra-cabeça fantástico
Para preencher o vazio faminto
Do meu coração sonhador.


A Mariposa









 



Coração Conturbado

Dia Chuvoso; fim de semana nublado.
Angustia, solidão.
Na janela, olhando pro nada em minha frente,
O frio na face
Congela o coração.
Desespero...
Me vejo sozinho num mundo cheio.
Grande e gélido pedaço de indiferença.
Suspiro e volto meu olhar para dentro de mim.
Me sinto vivo; me aqueço novamente;
Sei que não estou só.
Em algum lugar, não sei bem onde,
Encontrei você.
Posso sentir-te a me aquecer...
Aqueces minh'alma e vitaliza.
Em meio ao turbilhão de minha mente,
Ouço sua voz nervosa;
Posso sentir sua respiração
E sua face jovial
Me acalma o espírito.
Um flash! Um lapso! Um impulso...
Corro ladeira abaixo.
Coração na garganta,
Face molhada.
Não vejo o caminho...
Mas sim; encontro seu portão.
Grito uma, duas,
Três vezes.
Sem resposta.
Bato à porta.
Indiferença.
Não há ninguém, estou só,
Novamente só.
O frio me consome...
Não tenho ânimo para subir.
Sento, desanimado,
Quase te esqueço.
Um barulho; faróis.
Coração acelerado.
- Você chegou! - Grito no pensamento.
Desce do carro um alguém sorridente:
- Oi! Que bom que veio. - Me recebe.
Segurando suas mãos, me cessa o frio,
A língua abobece:
- Oi... - Digo. - Vim só pra te ver.
Amo-te? Não sei...
Mas sei que te quero;
E o querer... Esse tão forte querer
É que ainda me abastece
Da sede de viver.


Tic-tac

Tic-tac, tic-tac
Diz o relógio faceiro
Sem cansar, sem cessar...
Uma melodia monótona.
A quem ouve e observa,
De relance, de passagem
Parece lenta, letárgica.
Mas quem está, de longa data,
A seu dispor
Bem sabe que inclemente
E incessante
Esse tic-tac corrói,
Destrói,
Às vezes constrói,
Mas sempre comanda
E manda sem piedade
Em mim, em você;
Em tudo, em todos
Até o pó.


Pingos

Tem um menino parado ali
Olhando
A água pingando
Com calma
Muita calma
Calma em demasia
A água pinga da beira da telha
E cai no balaio
Mas o balaio nunca fica cheio
Sempre tem lugar para todas as gotas
Pois o balaio é furado
A água vasa, vai pra terra
Evapora, chove, cai na telha
E pinga de novo - no balaio

Ô, seu menino!
Chuta esse balaio!
O pote furado não dá pra guardar
Coisa boa

- Mas e os pingo d'água?

Quem vive de pingo d'água
É passarinho.
Vai de carreira
Campear uma cachoeira
Que lá sim
Naquele mundão d'água
Vai se refrescar.


Chuva

O que me separa de ti
Oh! Chuva?
Um teto?
Um passo?
Um lapso?
Ou um compasso do meu coração?


Amigo

A rua escura, deserta.
O vento gelado,
O ar pesado.
Coração acelerado...
Começo a sentir medo,
Mas logo percebo
Sua presença sutil.
Não estou só, enfim.
Sua luz guia meus passos
E seu toque de amigo
No meu ombro
Faz-me sentir seguro.
Sussurra no meu ouvido
Conselhos, confortos, amparos.
Desabo em seus braços
E seu calor sagrado me acolhe.
Sinto o farfalhar de suas asas
E num instante
Estou no Céu;
Posso ouvir a sinfonia divina
E ver o ballet gracioso,
Que inunda meu ser
Com a luz divina.
Cheio de glória,
Sinto-me repousar,
Revigorado e confortado
De meus temores,
Em minha cama macia.
Com a certeza de que
Realmente nunca estive só


O Vento e o Só

Tô com medo desses olhos marotos
Com que a vida me encara
Tô com medo do tempo,
Do vento e do só
Porque sou um poeta
Mas não sou nada
Porque sou santo
E banhado em mácula

Tô com medo desses garotos
Girando na minha cabeça
Que me chamam somente
E que não vou; já fui
Não sei
Não vou

Tô com medo desse santo maculado
Desse sangue parado
Dessa nota única, nem aguda, nem grave
Batendo no meu peito
Na minha vida
Melodia

Tô com vontade de quebrar a auréola
Tirar os sapatos, tomar uma taça
Cheia de mácula
Aumentar o som
Mudar a nota
Melodia!

Tô com vontade de chamar
Também
Os garotos
De ir, de vir
De que venham
De dançar nu ao luar
Tomar uma taça de mácula
Gritar!

Mas tenho medo dos olhos,
Do vento,
Do só.



Salto

Na torre alta do castelo

Daquele conto

Espera um duende tonto

Diante da janela

E da porta

Coça a cabeça

Seu nariz entorta

olha de uma para outra

E tornaa fitar uma

Seu pescoço gira

Suspira

E senta no chão

Espera um pouco

Levanta, num salto

De sopetão

Corre à porta, olha pela fechadura

Escuro

Arrisca-se ainda a abri-la

Olha com atenção

Escuro

Gira nos calcanhares com dúvida

Sua face, lívida

Vai até a janela

Olha surpreso

A luz do sol

O faz franzir a fronte

E admira-se com tal horizonte

Belos vales e riachos

Plantações e vilas

Videira com vivos cachos

E nesse devaneio banal

Eis que surge voando

Uma alva borboleta

Que prendeu seus olhos

Em cada farfalhar sublime de asa

Bailando, ziguezagueando

Saindo, livre e simples

Pela janela!

Um instante de vácuo mental

Se fez na cabeça do pequeno duende

Que num lapso

Imitou, inocente

A borboleta em sua sorte

E, de um pulo, foi

Mais que voando

De encontro a sua morte


Dança da Noite

Corre entre os carvalhos

Uma alma na floresta

Fugindo de suas penúrias

Arfando; bailando com o vento

Misturando-se à bruma

Esvanecendo-se na noite

Um cantar qualquer

Ecoa pelos vales

É um lamento?

É um louvor?

É uma alma que corre

Entre os salgueiros

Na madrugada

Cantando o vento ao pé do ouvido

Gritando desejos

Invocando sortilégios

Vagando e clamando

Clamando à outra alma de lá

Completa-me!

Encontra-me!

E os clamores dançam

Dissipam-se

Murmúrios;

Zumbido;

Silêncio;

Vagando...


Queria Saber
Assim sou

Assim estou

Não sei por quê

E queria saber

Mas já não quero mais

Sentimentos são marés

São folhas de árvores

Que sujeitam-se ao vento

Chuva

Sol

E nunca são

Nunca estão

Assim

Para sempre

Sentimentos tomam conta de mim

E sujeito-me a eles

Mas não sei quem são

E alguém me olha do espelho

Me aponta

Não sei quem é

E queria saber

Mas não quero mais

Só isso!


Copos

Olha o copo!

Quase um copo

Um corpo

Pela sombra

Encoberto


Um copo de vinho

Quebrado

Uma poça

Ensopando o sapato

do soldado


Com passos altos

Sai do salão

Lotado de copos

Quebrados

Ou seriam corpos?



Êxtase de Alegria

Uma explosão de contentamento

Invade meu ser sem explicação.

O mundo gira,

Minha mente pira,

Devaneia...

A luz divina da vida

Brilha imponente e colorida.

Funde a rocha titânica;

Molda, lapida...

Meu ser transborda

E o mistério da vida escorre.

Livre tal qual o vento das colinas.

O coração cantarola,

Mostrando à vida que venceu

E que insiste em vencer,

Maravilhosamente,

A cada dia.

Transmuta o vento gelado

Da angústia avassaladora

Em calor humano...

Calor de amor à vida.

Tal calor imenso que acende a chama,

Que acende outra luz,

Que brilha incessantemente,

Multiplicando as estrelas

Desta incrível constelação.


O Último Monólogo de um Solitário

Deus, se ainda estas aí,

Peço, neste desfecho cinzento

De uma existência fúnebre,

Que meu cachorro não morra de fome;

Que minha violeta não seque de sede

E que minhas amigas,

As paredes rachadas,

Não cedam à idade e à umidade.

Peço que minha família,

Onde quer que esteja,

Fique bem...

Mas fique lá, sem me atrapalhar

Com as lamúrias mecânicas,

Sempre querendo que eu seja eu

E que este eu seja completamente

Diferente de mim.

Peço que as pessoas enxerguem,

Percebam além do véu branco,

Que o mundo é preto

E que a ilusão de paz e amor

Só deixará de ser utopia

Quando pararem de pisar

Nas cinzas de vidas queimadas,

Limpando os pés nos inocentes

E começarem a lavar;

Seja com lágrimas,

Seja com sangue,

A pocilga de humanidade

Que se prolifera

E engole o ser

Que habita esta casaca podre

De carne humana.

Peço que o verde persevere,

Que mesmo amarelo,

Persevere.

Que a covardia

Da mão do homem

Contra esses seres sem defesa,

Seja vingada, punida...

Que a boca impiedosa

Da grande Mãe Natureza

Não engula,

Mas mastigue e cuspa

Todo esse lixo.

Peço que o coração

Seja notado... Ouvido...

Que o sentimento verdadeiro

Renasça imponente, puro

E que assim,

O ar possa ser de todos

E todos possam ser um

E a felicidade, rotina.

Peço, ainda que sem necessidade,

Que não sintam minha falta.

Que vivam...

E se um dia alguém ler,

Mesmo que por acaso,

Esta carta,

Saiba que parti

Porque sabia que deste mundo

Não era peça útil.


Indefinição de Ser

Sou, apenas sou.

Nada além de ser.

Indefino-me em minha existência,

Peranbulando no labirinto da vida.


A luz me ofusca,

As trevas me amedrontam,

O frio me maltrata

E o calor me desidrata...

Nada me agrada.

Porém,

A luz me ilumina,

As trevas me confortam,

O frio me refresca

E o calor me reanima...

Tudo me alegra.


Penso... Reflito...

Quem sou?

Não chego à conclusão.

Então me conformo.




Sou, apenas sou.

Nada além de ser.

Vivo a vida como o clima sulista.

Sigo, às vezes,

Como um camaleão...

Cinza, azul ou vermelho;

Não importa o momento,

Sempre me transformo.

Mudei-me tantas vezes;

Já não sei se sou disfarce ou transparente.


Mas ainda assim digo:

— Eu sou!

E sendo, sigo a vida

Com sapatos confortáveis.

Total de visualizações de página