Olhos fixos no espaço,
Percebendo o nada
A se formar à frente.
O nada me olha de volta.
Analisa com frieza.
Me toca,
Me cheira;
Prazerosamente me consome.
O interior vazio da caixa,
Que me tornei por convenção,
Espera algo macio e quente,
Que seja resistente
E traga segurança;
Espera algo colorido e alegre,
Que faça piada,
Mas que não reprima lágrimas
De dor, sofrimento;
De felicidade, amor.
A busca incessante,
Na incomensurável expectativa,
Deriva, ora da esperança,
Ora do desespero.
É uma busca pelo nada,
Mas o nada já faz parte de mim.
— O que buscas então? — Me perguntam.
Busco uma peça única
Do quebra-cabeça fantástico
Para preencher o vazio faminto
Do meu coração sonhador.
A Mariposa



Coração Conturbado
Dia Chuvoso; fim de semana nublado.
Angustia, solidão.
Na janela, olhando pro nada em minha frente,
O frio na face
Congela o coração.
Desespero...
Me vejo sozinho num mundo cheio.
Grande e gélido pedaço de indiferença.
Suspiro e volto meu olhar para dentro de mim.
Me sinto vivo; me aqueço novamente;
Sei que não estou só.
Em algum lugar, não sei bem onde,
Encontrei você.
Posso sentir-te a me aquecer...
Aqueces minh'alma e vitaliza.
Em meio ao turbilhão de minha mente,
Ouço sua voz nervosa;
Posso sentir sua respiração
E sua face jovial
Me acalma o espírito.
Um flash! Um lapso! Um impulso...
Corro ladeira abaixo.
Coração na garganta,
Face molhada.
Não vejo o caminho...
Mas sim; encontro seu portão.
Grito uma, duas,
Três vezes.
Sem resposta.
Bato à porta.
Indiferença.
Não há ninguém, estou só,
Novamente só.
O frio me consome...
Não tenho ânimo para subir.
Sento, desanimado,
Quase te esqueço.
Um barulho; faróis.
Coração acelerado.
- Você chegou! - Grito no pensamento.
Desce do carro um alguém sorridente:
- Oi! Que bom que veio. - Me recebe.
Segurando suas mãos, me cessa o frio,
A língua abobece:
- Oi... - Digo. - Vim só pra te ver.
Amo-te? Não sei...
Mas sei que te quero;
E o querer... Esse tão forte querer
É que ainda me abastece
Da sede de viver.
Tic-tac
Tic-tac, tic-tac
Diz o relógio faceiro
Sem cansar, sem cessar...
Uma melodia monótona.
A quem ouve e observa,
De relance, de passagem
Parece lenta, letárgica.
Mas quem está, de longa data,
A seu dispor
Bem sabe que inclemente
E incessante
Esse tic-tac corrói,
Destrói,
Às vezes constrói,
Mas sempre comanda
E manda sem piedade
Em mim, em você;
Em tudo, em todos
Até o pó.
Pingos
Tem um menino parado ali
Olhando
A água pingando
Com calma
Muita calma
Calma em demasia
A água pinga da beira da telha
E cai no balaio
Mas o balaio nunca fica cheio
Sempre tem lugar para todas as gotas
Pois o balaio é furado
A água vasa, vai pra terra
Evapora, chove, cai na telha
E pinga de novo - no balaio
Ô, seu menino!
Chuta esse balaio!
O pote furado não dá pra guardar
Coisa boa
- Mas e os pingo d'água?
Quem vive de pingo d'água
É passarinho.
Vai de carreira
Campear uma cachoeira
Que lá sim
Naquele mundão d'água
Vai se refrescar.
Chuva
O que me separa de ti
Oh! Chuva?
Um teto?
Um passo?
Um lapso?
Ou um compasso do meu coração?
Amigo
A rua escura, deserta.
O vento gelado,
O ar pesado.
Coração acelerado...
Começo a sentir medo,
Mas logo percebo
Sua presença sutil.
Não estou só, enfim.
Sua luz guia meus passos
E seu toque de amigo
No meu ombro
Faz-me sentir seguro.
Sussurra no meu ouvido
Conselhos, confortos, amparos.
Desabo em seus braços
E seu calor sagrado me acolhe.
Sinto o farfalhar de suas asas
E num instante
Estou no Céu;
Posso ouvir a sinfonia divina
E ver o ballet gracioso,
Que inunda meu ser
Com a luz divina.
Cheio de glória,
Sinto-me repousar,
Revigorado e confortado
De meus temores,
Em minha cama macia.
Com a certeza de que
Realmente nunca estive só
O Vento e o Só
Tô com medo desses olhos marotos
Com que a vida me encara
Tô com medo do tempo,
Do vento e do só
Porque sou um poeta
Mas não sou nada
Porque sou santo
E banhado em mácula
Tô com medo desses garotos
Girando na minha cabeça
Que me chamam somente
E que não vou; já fui
Não sei
Não vou
Tô com medo desse santo maculado
Desse sangue parado
Dessa nota única, nem aguda, nem grave
Batendo no meu peito
Na minha vida
Melodia
Tô com vontade de quebrar a auréola
Tirar os sapatos, tomar uma taça
Cheia de mácula
Aumentar o som
Mudar a nota
Melodia!
Tô com vontade de chamar
Também
Os garotos
De ir, de vir
De que venham
De dançar nu ao luar
Tomar uma taça de mácula
Gritar!
Mas tenho medo dos olhos,
Do vento,
Do só.
Salto
Na torre alta do castelo
Daquele conto
Espera um duende tonto
Diante da janela
E da porta
Coça a cabeça
Seu nariz entorta
olha de uma para outra
E tornaa fitar uma
Seu pescoço gira
Suspira
E senta no chão
Espera um pouco
Levanta, num salto
De sopetão
Corre à porta, olha pela fechadura
Escuro
Arrisca-se ainda a abri-la
Olha com atenção
Escuro
Gira nos calcanhares com dúvida
Sua face, lívida
Vai até a janela
Olha surpreso
A luz do sol
O faz franzir a fronte
E admira-se com tal horizonte
Belos vales e riachos
Plantações e vilas
Videira com vivos cachos
E nesse devaneio banal
Eis que surge voando
Uma alva borboleta
Que prendeu seus olhos
Em cada farfalhar sublime de asa
Bailando, ziguezagueando
Saindo, livre e simples
Pela janela!
Um instante de vácuo mental
Se fez na cabeça do pequeno duende
Que num lapso
Imitou, inocente
A borboleta em sua sorte
E, de um pulo, foi
Mais que voando
De encontro a sua morte
Dança da Noite
Corre entre os carvalhos
Uma alma na floresta
Fugindo de suas penúrias
Arfando; bailando com o vento
Misturando-se à bruma
Esvanecendo-se na noite
Um cantar qualquer
Ecoa pelos vales
É um lamento?
É um louvor?
É uma alma que corre
Entre os salgueiros
Na madrugada
Cantando o vento ao pé do ouvido
Gritando desejos
Invocando sortilégios
Vagando e clamando
Clamando à outra alma de lá
Completa-me!
Encontra-me!
E os clamores dançam
Dissipam-se
Murmúrios;
Zumbido;
Silêncio;
Vagando...
Queria Saber
Assim sou
Assim estou
Não sei por quê
E queria saber
Mas já não quero mais
Sentimentos são marés
São folhas de árvores
Que sujeitam-se ao vento
Chuva
Sol
E nunca são
Nunca estão
Assim
Para sempre
Sentimentos tomam conta de mim
E sujeito-me a eles
Mas não sei quem são
E alguém me olha do espelho
Me aponta
Não sei quem é
E queria saber
Mas não quero mais
Só isso!
Copos
Olha o copo!
Quase um copo
Um corpo
Pela sombra
Encoberto
Um copo de vinho
Quebrado
Uma poça
Ensopando o sapato
do soldado
Com passos altos
Sai do salão
Lotado de copos
Quebrados
Ou seriam corpos?
Êxtase de Alegria
Uma explosão de contentamento
Invade meu ser sem explicação.
O mundo gira,
Minha mente pira,
Devaneia...
A luz divina da vida
Brilha imponente e colorida.
Funde a rocha titânica;
Molda, lapida...
Meu ser transborda
E o mistério da vida escorre.
Livre tal qual o vento das colinas.
O coração cantarola,
Mostrando à vida que venceu
E que insiste em vencer,
Maravilhosamente,
A cada dia.
Transmuta o vento gelado
Da angústia avassaladora
Em calor humano...
Calor de amor à vida.
Tal calor imenso que acende a chama,
Que acende outra luz,
Que brilha incessantemente,
Multiplicando as estrelas
Desta incrível constelação.
O Último Monólogo de um Solitário
Deus, se ainda estas aí,
Peço, neste desfecho cinzento
De uma existência fúnebre,
Que meu cachorro não morra de fome;
Que minha violeta não seque de sede
E que minhas amigas,
As paredes rachadas,
Não cedam à idade e à umidade.
Peço que minha família,
Onde quer que esteja,
Fique bem...
Mas fique lá, sem me atrapalhar
Com as lamúrias mecânicas,
Sempre querendo que eu seja eu
E que este eu seja completamente
Diferente de mim.
Peço que as pessoas enxerguem,
Percebam além do véu branco,
Que o mundo é preto
E que a ilusão de paz e amor
Só deixará de ser utopia
Quando pararem de pisar
Nas cinzas de vidas queimadas,
Limpando os pés nos inocentes
E começarem a lavar;
Seja com lágrimas,
Seja com sangue,
A pocilga de humanidade
Que se prolifera
E engole o ser
Que habita esta casaca podre
De carne humana.
Peço que o verde persevere,
Que mesmo amarelo,
Persevere.
Que a covardia
Da mão do homem
Contra esses seres sem defesa,
Seja vingada, punida...
Que a boca impiedosa
Da grande Mãe Natureza
Não engula,
Mas mastigue e cuspa
Todo esse lixo.
Peço que o coração
Seja notado... Ouvido...
Que o sentimento verdadeiro
Renasça imponente, puro
E que assim,
O ar possa ser de todos
E todos possam ser um
E a felicidade, rotina.
Peço, ainda que sem necessidade,
Que não sintam minha falta.
Que vivam...
E se um dia alguém ler,
Mesmo que por acaso,
Esta carta,
Saiba que parti
Porque sabia que deste mundo
Não era peça útil.
Indefinição de Ser
Sou, apenas sou.
Nada além de ser.
Indefino-me em minha existência,
Peranbulando no labirinto da vida.
A luz me ofusca,
As trevas me amedrontam,
O frio me maltrata
E o calor me desidrata...
Nada me agrada.
Porém,
A luz me ilumina,
As trevas me confortam,
O frio me refresca
E o calor me reanima...
Tudo me alegra.
Penso... Reflito...
Quem sou?
Não chego à conclusão.
Então me conformo.
Sou, apenas sou.
Nada além de ser.
Vivo a vida como o clima sulista.
Sigo, às vezes,
Como um camaleão...
Cinza, azul ou vermelho;
Não importa o momento,
Sempre me transformo.
Mudei-me tantas vezes;
Já não sei se sou disfarce ou transparente.
Mas ainda assim digo:
— Eu sou!
E sendo, sigo a vida
Com sapatos confortáveis.