sábado, 1 de janeiro de 2011

FUNERAL - PARTE 02

A dor era real. Era muito forte, parecia que não ia parar. Gritou mais alto. A dor diminuiu, como num espasmo, e ela pôde, então, se levantar e tentar correr o mais próximo possível da casa. A dor voltou. Ela gritou e curvou-se para frente chamando Yasu.

Harumi suava frio, não podia respirar direito, mas sentiu certo alívio quando viu a velha Yasu correndo em sua direção.

— Está na hora, senhora?

Mais uma vez ela quis xingar, mas a dor dominava-a novamente. Tão somente balançou a cabeça em sinal de afirmação.

— Ajudem-me a levá-la para o quarto! — Gritou Yasu para as outras duas criadas. — Tragam água quente e toalhas! — Gritou para os familiares que estavam na vigília fúnebre. Pode parecer ousadia uma criada gritar com a família dos senhores, dando-lhes ordens, mas todos sabem bem que, quando a hora chega, quem realmente manda é a parteira, então fizeram tudo como Yasu lhes dissera.




— Harumi, mais força! Vamos! Traga para o mundo esta criança.

— Não dá... Não estou agüentando mais...

— Respire rápido várias vezes, quando vier a dor novamente...

— Veio. Arrrrgh!

— Então força! Empurre essa criança para fora mulher! Isso... Isso... Está vindo. Já posso ver a cabeça!

— Arrrrrgh! — Mais um grito alto, seguido de um alívio.

— Parabéns Harumi, é um belo menino! Foi um parto fácil, não é meninas? — Disse Yasu sorrindo para as outras criadas.

Harumi quis esbravejar. Dizer que “parto fácil” era porque não tinha sido com ela, que ela não tinha sentido toda aquela dor dos ossos abrindo-se, da pele esticando, rasgando, para passar aquela cabeça enorme. Ele sentiu como se fosse partir-se ao meio. Mas, quando abriu a boca para começar a expressar seu descontentamento pelo “fácil” de sua criada, foi silenciada pelos olhos doces daquele belo bebê. Seu filho, colocado em seus braços... Era uma sensação tão... Tão... Era inexplicável na verdade. Harumi sentia que toda a dor que passou a vida inteira tinha sido apagada de suas lembranças. Que todas as cicatrizes tinham se esvanecido quando aqueles lábio puros e recém nascidos, famintos de vida, tocaram seu seio direito sugando avidamente seu primeiro alimento fora do ventre.

Aquela flor de sakura murcha, rasgada e seca pelo tempo deu fruto e o fruto nutria-se para crescer vistoso e, um dia, desprender-se da árvore para cair ao solo, ganhar o mundo.

— Vai se chamar Aki. Sim, Aki será seu nome de infância.

— Senhora, não seria sensato permitir que o senhor Ishi escolhesse o nome?

— Não! Ele se chamará Aki! Pelo menos enquanto estiver em meus braços, pois logo ele crescerá e eles o tirarão de mim, para aquele treinamento doentio que o transformará numa máquina controlada pelos aristocratas assim como o pai dele era e também o senhor Ishi.

— Harumi, minha pequena flor, você também é uma aristocrata.

— Ora Yasu! Eu acabei de dar à luz, não me importune!

— Mas é verdade. Assim que se casou com o filho do senhor Ishi, tornou-se uma aristocrata, esposa do mais respeitado samurai do condado e, quem sabe até, de além das muralhas.

— Bobagem!

— Não importa o que a senhora pensa, é assim. E esta criança... Pobre menino, mime-o enquanto puder. Ame-o com a maior intensidade que puder, pois ele pertence à família do senhor Ishi, à família Tsuyoki.

— Também faço parte da família!

— Agora você é uma aristocrata?

— Yasu...

— Você escolheu viver aqui, na cidadela, afastada dos Tsuyoki. Agora tome este chá e durma. Vou colocar o bebê...

— Aki!

— Como quiser senhora... Vou colocar Aki no quarto dele e chamar o avô para vê-lo.

Harumi sentia muitas dores novamente, poucas eram físicas. A maioria era de lembranças... As memórias haviam voltado com a realidade da cultura que a envolvia. A sensação de paz que Aki passava tornara-se pequena perto do quanto ela já sofria por saber que o teria por tão pouco tempo.

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