segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Maíra - 02



Ela, que estava acostumada com o estupor de sua mesmice tediosa, sentiu-se ferida. Sua realidade pálida havia se chocado fortemente com aqueles olhos tão pretos e inexplicavelmente tão coloridos. Não sabia se estava começando a delirar. Muitos sentimentos passeavam ao seu redor. Não podia decidir se ficava ofendida, ferida, incomodada, ou alegre, estasiada e eufórica. Só sabia de uma coisa. Tinha de deixar a janela, sair do quarto.

Foi ter com seus parentes; jantar com eles. Mas não conseguiu comer olhando para todas aquelas faces sem rostos ao seu redor e todas as vozes retorcidas que ecoavam delas.

Tinha de sair de lá, mas não queria recolher-se, novamente, ao quarto, então, deitou-se no chão da cozinha, embaixo da mesa de jantar, para tentar esconder sua vista das faces sem rostos que tanto a amedrontavam e nauseavam.

Começou a sentir algo estranho em seu corpo. Algo a tocava. Coisas percorriam todo o seu corpo. Passou a debater-se quando percebeu que eram lagartixas pequenas e inquietas, que corriam e serpenteavam por cada pedaço de pele no seu corpo, com aquelas pequenas patas pegajosas. Entravam por sua boca, por seu nariz e por seus olhos. Estava sufocando... Tudo acabou. Um apagão.

Quanto tempo? Não sabia... Não sabia nem se estava pensando, ou se havia morrido... Só sabia que estava no escuro.

Maíra acordou sobressaltada e ofegante, olhou ao redor. O quarto de sempre, com a janela de sempre. No radiorrelógio, dez da manhã; do lado, um termometro, dipirona, uma bacia com água e uma toalha. Em sua cabeça, dor; em sua garganta, também; em sua mente, os olhos, tão pretos e coloridos... (CONTINUA)

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